terça-feira, 2 de agosto de 2011

Adulteração de chassi. Raspagem do número. Crime configurado

LUIZ FLÁVIO GOMES*
Áurea Maria Ferraz de Sousa**

Raspar a numeração do chassi de um automóvel é conduta abrangida pela adulteração exigida no crime adulteração de sinal identificador de veículo automotor (art. 311, CP). Este posicionamento, firmado pelo TJSP, foi ratificado pelo Tribunal da Cidadania no julgamento do REsp 1.035.710 – SP, relatado pela min. Laurita Vaz.

O recorrente foi condenado em primeira instância por ter raspado o chassi de uma motocicleta. Sua defesa alegava que o comportamento descrito como criminoso pela Justiça paulista não passou de ato preparatório para a execução do crime descrito no artigo 311 do Código Penal, que preconiza:


Art. 311 – Adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento:
Pena – reclusão, de três a seis anos, e multa.

Para a defesa, o fato é atípico. Para entender a tese defensiva, lembremos o que se entende por iter criminis. Trata-se do conjunto de fases que se sucedem cronologicamente no desenvolvimento do delito doloso. São elas: cogitação, atos preparatórios, atos executórios e consumação.

A cogitação, primeira fase do iter criminis, encontra-se ainda no plano interno do agente e não corresponde, necessariamente, à premeditação. É apenas uma ideia tendenciosa à prática do delito. A cogitação é sempre impunível para o Direito penal, já que ninguém pode ser punido pelo que é ou pensa (Direito penal de autor ou Direito penal da intenção), mas apenas pelo que faz (Direito penal do fato).

Os atos preparatórios são considerados aqueles pelos quais o agente começa a criar condições para a realização da conduta delituosa. Em regra, também são impuníveis, embora haja dissenso na doutrina. Para o Direito penal do inimigo, de acordo com o qual se pune o inimigo pelo que ele poderá fazer, em razão do perigo que representa, abstratamente, os atos preparatórios são puníveis. Porém, a doutrina moderna abomina essa ideia e entende que o ato preparatório também é impunível. E efetivamente é, salvo algumas exceções: quadrilha ou bando, por exemplo (CP, art. 288).

Por fim, os atos executórios, última fase do iter criminis, são considerados aqueles nos quais o agente atua exteriormente para a realização da conduta típica. Para o Direito penal, a conduta tem relevância apenas depois de iniciada a execução da conduta típica.

No caso em apreço, a defesa alegava que o fato de o recorrente ter raspado o chassi da moto caracterizou apenas atos preparatórios para o crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor (crime contra a fé pública), já que o tipo penal exige a adulteração ou a remarcagem do número do chassi.

Se esse fosse o entendimento predominante, de fato, sua conduta seria impunível. Ocorre que, para a jurisprudência, a simples raspagem do Número de Identificação do Veículo (NIV) do chassi já é suficiente para caracterizar a adulteração.

De acordo com a Min. Laurita Vaz, “a conduta de raspar ou suprimir a numeração de chassi exprime uma alteração ou modificação, isto é, uma adulteração no sinal identificador de veículo, amoldando-se perfeitamente ao tipo previsto no artigo 311 do Código Penal (…) afasta-se, assim, o argumento defensivo de que o comportamento de raspar ou suprimir o chassi se trata de ato preparatório impunível, na medida em que ocorreu a consumação do delito com o ato de suprimir o número do chassi da motocicleta” (STJ).

*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook.

**Áurea Maria Ferraz de Sousa – Advogada pós graduada em Direito constitucional e em Direito penal e processual penal. Pesquisadora.

Fonte: Blog do LFG